a r q u i v o

4.4.02

Eu assisti Big Brother quase de ponta a ponta. Dei muita risada, chorei, gostei de uns, impliquei com outros, fiquei tensa, mudei de idéia, torci, acreditei em um monte de coisas. Nunca votei pra eliminar ninguém, não tinha vontade – a não ser na final, durante o programa ao vivo, que votei no André, mesmo sabendo que ele não ia ganhar, porque a votação era sempre conservadora e ele é negro, gordo, gay e surtado. Todo mundo sabia que o Kleber ia ganhar. Ele é branco, sarado, ignorante, caipirão, gosta de pagode, tem bom coração e ar de ingênuo.

No dia em que deram telas pro Adriano pintar, nos 20 minutos que durava o programa ao vivo a câmera ficou 99% nele e ele ficou pintando, sem falar uma palavra. Tinha só o barulho dos gestos dele. Não tinha trilha sonora, nem merchandising, nem comercial, nem censura. Era um cara não-famoso pintando uma tela, em silêncio, do lado de fora de uma casa, à noite.

O contraste disso com a TV normal foi gritante nesse dia e em muitos outros. Pensa na rapidez absolutamente estressante das imagens da TV, nas caras mumificadas e na expressão corporal estereotipada das pessoas, nas mensagens que não te convencem, seja em comercial, programa político, enredo de novela, talk show, CNN. Pensa no rosto de plástico do casal telejornal, nas lágrimas de crocodilo dos atores de novela, na cara-de-pau dos políticos falando, no timing perfeito demais dos comediantes de sitcom, nas insuportáveis loiras infantilóides ou popozudas, nos “intelectuais” pretensiosos de talk show, nos VJs eternamente crista da onda da MTV -- bom, pensa no sorriso de Coringa pregado há 50 anos na cara da Hebe ou do Silvio Santos, ele, ainda por cima com aquele microfonão matusalém pendurado no pescoço. Meu, quê isso? A TV tá morta, alguém duvida?

Todo mundo dizia que no Big Brother tinha só um bando de imbecis, sem cultura, ignorantes, brutais, burros, idiotas, reacionários. Ok, claro, claro, todos nós só dizemos coisas que interessam, lemos e relemos Proust dia e noite. Mas é que o Big Brother não tem a ver com conteúdo, tem a ver com forma. Suspende o conteúdo das conversas e pensa no que acontecia ao vivo, na dinâmica do relacionamento entre as pessoas. Alianças que se fazem e desfazem, afetos espontâneos, rancores remoídos, conchavos, votos calculistas mas declarados com sendo “de coração”, explosões, bebedeiras, emoções travadas, traições violentas, solidariedade genuína, generosidade, barraco, tesões explícitos e enrustidos, criancices, maturidades, pudores, inocências. Tudo aquilo com que o infeliz do ser humano se debate desde sempre, tá lá, mais concentrado que extrato de tomate.

Óbvio que o Big Brother tinha regras internas que o público desconhecia. Imagino que não podiam falar de política ou falar mal de gente conhecida, por exemplo. Era um jogo na frente das câmeras e portanto as pessoas tinham que inventar a máscara certa pra circunstância. Claro também que não iam fazer, naquela situação pública, coisas que qualquer um só faz quando está sozinho. Fora toda essa coreografia, tinha o resto. E o resto, o que escapava, o que rolava quando as pessoas se distraíam da vigilância, era o que prendia.

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