a r q u i v o

28.1.03

O Nelson Rodrigues é o melhor escritor de todos, escreve como se estivesse falando ou pensando em voz alta, como se fosse absolutamente fácil escrever assim. Eu detesto futebol e não paro de ler as crônicas de futebol que ele escreveu para jornais em 50, 60 e 70, reunidas pelo Ruy Castro no livro À sombra das chuteiras imortais. Cheguei a chorar de rir lendo. Numa crônica de 1969, pra comentar que ficou espantado e lisonjeado com o fato de que metade dos leitores de suas crônicas futebolísticas são mulheres, ele começa contando uma história que aconteceu quando ele subia o elevador do Maracanã num domingo de jogo, junto com um amigo:

De vez em quando, alguém me pergunta: -- "Existe mesmo a grã-fina das narinas de cadáver?". E eu, então, tenho que repisar a velha história. (...)

Subimos no mesmo elevador. Os presentes, inclusive eu, não tiravam os olhos da grã-fina. Mas coisa curiosa: -- todos olhavam, sem saber por que olhavam. Vocês entendem? Ninguém sabia explicar a própria curiosidade. Para mim, eram, e só podiam ser, as narinas de cadáver. Saltamos no sexto andar do estádio. Foi aí que, sempre ereta como as sonâmbulas, vira-se para o marido: -- "Fulano". Usou um diminutivo qualquer, que não me lembro, e fez a pergunta: -- "Quem é a bola?" (...)

Nem eu, nem o Marcello rimos porque as narinas de cadáver exerciam sobre nós o que os criminologistas chamam de "coação irresistível". Estávamos fisicamente acuados. Mas ficou no ar a pergunta em flor: -- "Quem é a bola?"

Nenhum comentário: