a r q u i v o

13.4.06

Bendito Infierno

O Céu é Paris.

O Inferno é uma cantina imunda que serve fast-food azeda, freqüentada por centenas de machões feios, sujos e malvados, que vira e mexe tentam violentar as lindas garçonetes que circulam de bota e minissaia vermelha.

A ante-sala do Inferno é uma mistura de estação de metrô com campo de refugiados, onde funcionários tipo alfândega fazem a triagem dos recém-morridos. São filas intermináveis. Um funcionário pergunta a um senhor de terno Armani o que ele fazia na Terra. Resposta: “Eu era vice-presidente do FMI.” E o funcionário diz, sem pestanejar, “Ok, Círculo 33”, empurra o cara pra dentro de um elevador-gaiola enorme e lotado e finaliza: “A partir de agora o senhor é um imigrante africano sem documentos.”

A Penélope Cruz é garçonete na cantina infernal.

A Victoria Abril canta bossa-nova no Céu-Paris, num ambiente lindo e nostálgico tipo Copacabana Palace, para uma platéia fascinada.

Mas a verdade é que o Céu está em crise, quase falindo por falta de fregueses.

Até que chega da Terra o apelo de uma mãe, que implora a Deus a salvação do seu filho, um boxeador decadente. Então a Fanny Ardant, francesa, elegantíssima, e braço-direito de Deus, convoca a anja Victoria Abril para ir à Terra convencer o boxeador a abandonar o ringue e fazer as pazes com a mãe. Imediatamente, o Inferno convoca a Penélope Cruz para ir à Terra fazer o tal boxeador cair em tentação.

E ainda tem o Gael Garcia Bernal, como um gatíssimo braço-direito do Diabo, circulando debochado dentro de uma limusine negra, vestindo terno vermelho-escuro de popstar e camiseta roxa com a frase “Do it with style.”

O filme é um sarro. Não é novo, é de 2001. É espanhol, não é do Almodóvar, e se chama “Sin noticias de Dios”. Eu vi na Mostra e vi de novo ontem na TV a cabo e ficou melhor ainda.

* * *

Sarro também é xeretar na internet as críticas que saíram sobre esse filme e ver o mau-humor de muitos jornais americanos em relação a ele.
Eles não gostaram porque o filme não é didático.
Não gostaram porque é falado em mais de uma língua.
Não gostaram porque o filme não é edificante.
Não gostaram porque acham quadrados os valores europeus humanistas, no caso, a crítica à globalização.
Não gostaram porque o roteiro não é eficaz e eficiente como roteiro de blockbuster.
Não gostaram porque o filme escancara aquelas intolerâncias eternas entre ingleses, espanhóis, franceses e isso não é politicamente correto.

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